domingo, 1 de junho de 2008

Da série "Crônicas Aleatórias", Embaixador...

Sebastião Aprigio. Era seu nome verdadeiro. Só o ouvia assim quando numa geral da polícia. No mais era o Tião carroceiro. Aquele que, no sobe e desce de São Paulo, levava papelão e qualquer tipo de lixo que pudesse ser reciclado ou vendido pelo intermediador.
Ao lado o fiel Embaixador. Palavra que nunca soubera o significado. Ouvira uma vez quando um bacana desceu de um carrão e achou que era coisa importante.
E seu cão era digno de receber tal nome, pois era sua companhia 24 horas. Fiel a dormir embaixo da carroça sob o viaduto e falsas estrelas do céu de São Paulo.

Tião era assim. Sobe e desce pelas ruas, catador do lixo deixado pelos abastados.
E olhando pra eles pensava: Um dia chego lá!

Já Embaixador era preguiçoso! Nem gostava muito de acompanhar Tião. Ia na carroça latindo pros engravatados que passavam, garboso, como se fosse mesmo um membro do Itamaraty.

Um dia Tião, parado em frente a uma Casa Lotérica, ouviu Embaixador latir como nunca tinha feito antes. De preguiçoso passou a agitado, abanando o rabo em polvorosa como quem quisesse dizer alguma coisa.

Tião, que o conhecia como ninguém, achou que Embaixador estava dizendo que ele deveria jogar, mas relutou.

- Ora, Cão! Isso é coisa de quem acha que a vida vem fácil!

Mas Embaixador continuou a latir até que Tião, com seus R$1,50 de um dia fraco, entrou na casa lotérica.
Mal sabia ler ou escrever e então pegou um volante da Mega-Sena e marcou números aleatoriamente e entregou ao caixa.

- R$1,50, senhor.

Tião entregou e pegou o comprovante. Guardou na sua humilde carteira de plástico, que também guardava seus documentos e uma foto amarelada de quando era criança.

Com dor no coração pelos suados trocados, partiu para recolher mais papelão pelas ruas. Desceu a Brigadeiro (Luiz Antonio) com Embaixador a bordo.

- Pera, dotô! Dá passagem. Nunca viu Mercedes não?

Com seu bom-humor, seguiu em frente. Parou numa esquina amontoada de lixo, que começou a revirar em busca do que pudesse ser aproveitado.

Embaixador latiu...

- Dá o dinheiro, vagabundo.
- Tenho dinheiro não.
- Dá o dinheiro, filho-da-puta, passa logo!

Embaixador ainda tentou morder o moleque drogado com uma faca na mão.

Tarde demais. O sangue descia pelo corpo maltratado. Ainda deu tempo de ver o resto de sol pálido se pondo antes de encerrar a luz.

Embaixador ainda tentou acordar em vão seu amigo rodeando e roçando a pata em seu rosto.

Longe dali o moleque acendia uma pedra de crack, após jogar a carteira de Tião com o bilhete, mais tarde premiado com 14 milhões, no bueiro.

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